6.29.2006

This is just one of my favorite things

CAMINHOS

CAMINHOS

DE olhos fechados vejo Os caminhos. Seixos brancos e redondos, lajes, asfalto luzidios. Tamem terra. Tarnbém areia. As esquinas das ruas, as praças, o vento ao longo dos cais, avenidas rasgadas de trafego, arvores de boulevards, bancos de parques, arfar de comboios, bramido de ondas nos Cascos dos navios. Formas, sons, odores, tudo intacto no quadro da rnernória. Uma fotografia. Sorria. Volte um pouquinho a cabeca... Perfeito. Passej por Ia, estaquei, fiquei l para sempre. Nas paragens solitárias, nos passejos apinhados, na fachada das casas, nos muros dos jardins particulares com grades onde cães rugiam como se fossem leöes... Na China o leão dançava na festa da Deusa A-Ma; era arnarelo, corpo de seda, cabeça onírica de dragã. Fiquei lá. Natal. Dia de anos. Noite de Ano Born. Falava lingua estrangeira. Palavras que me lançavarn e que devolvia, qual jogo de bola. Fiquei lá muda. Uma vez o nevoejro cobriu a cidade. Desorientei-me. A ladeira íngreme e escorregadia. Contava os passos: one, two, three. E se nunca chegasse ao meu destino? Se fosse dar ao rio? 0 rio era negro, e a ponte iluminada, uma longínqua, perdida constelação.
Encontros. Como se çhama? Há quanto tempo está cá ? 0 meu rosto ao lado de outros no vidro das montras, nas janelas embaciadas das carruagens, ao correr das águas. Rosto levemente torcido, estranho, espantado. Que bebe? Os chineses ofereciam chá de jasmim. Aquele amigo indiano que sabia a cor das notas de música, mel e limão. Na Baía bebia-se água de coco pelo fruto rotundo e verde, no terreiro da macumba. Aqui a língua era a minha, soletrada, gostosa, a saber a infància. Fiquei nas salas de aula (a aprender ou a ensinar?), escrita no quadro preto, entalada nas carteiras com dedadas de tinta, pregada à parede como um mapa. Por corredores e escadas. Recortada na minha própria sombra ao luar dos trópicos ou num pátio de lousa ao clarão da fogueira do Guy Fawkes. Fiquei. Para urn dia me reencontrar hei-de tornar a esses caminhos, a ver outra vez tudo de olhos fechados: os deuses, os demónios, a minha ousadia, E o retrato voltará a ser perfeito. Mas serei capaz de me reconhecer?

Maria Ondina Braga
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©MALOU V.

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