This is just one of my favorite things
TWIN SOULS
…
5
[ms.] [1910?]
I was a poet animated by philosophy, not a philosopher with poetic faculties. I loved to admire the beauty of things, to trace in the imperceptible through the minute the poetic soul of the universe. The poetry of the earth is never dead. We may say that ages gone have been more poetic, but we can say (...) Poetry is in everything—in land and in sea, in lake and in riverside. It is in the city too-deny it not—it is evident to me here as I sit: there is poetry in this table, in this paper, in this inkstand; there is poetry in the rattling of the cars on the streets, in each minute, common, ridiculous motion of a workman, who the other side of the street is painting the sign-board of a butcher’s shop. Mine inner sense predominates in such a way over my five senses that I see things in this life—I do believe it—in a way different from other men. There is for me—there was—a wealth of meaning in a thing so ridiculous as a door-key, a nail on a wall, a cat’s whiskers. There is to me a fulness of spiritual suggestion in a fowl with its chickens strutting across the road. There is to me a meaning deeper than human tears in the smell of sandalwood, in the old tins on a dirt heap, in a match box lying in the gutter, in two dirty papers which, on a windy day, will roll and chase each other down the street. For poetry is astonishment, admiration, as of a being fallen from the skies taking full consciousness of his fall, astonished about things. As of one who knew things in their souls, striving to remember this knowledge, remembering that it was not thus he knew them, not under these forms and these conditions, but remembering nothing more.
Eu era um poeta impulsionado pela filosofia, nâo um filósofo dotado de faculdades poéticas. Adorava admirar a beleza das coisas, descortinar no imperceptivel, através do que é diminuto, a alma poética do universo. A poesia da terra nunca rnorre. E possfvel dizermos que as eras transactas foram mais poeticas, mas podemos dizer (...) Ha poesia em tudo—na terra e no mar, nos lagos e nas margens dos rios. Ha-a também na cidade — não o neguemos—facto evidente para mim enquanto aqui estou sentado: ha poesia nesta mesa, neste papel, neste tinteiro; ha poesia na trepidação dos carros nas ruas; em cada movimento Infimo, vulgar, ridiculo, de um operário que, do outro lado da rua, pinta a tabuleta de um talho.
O meu sentido interior de tal modo predomina sobre os meus cinco sentidos que—estou convencido—vejo as coisas desta vida de modo diferente do dos outros homens. Existe para mim — existia — urn tesouro de significado numa coisa tao ridicula como uma chave, um prego na parede, os bigodes de um gato. Encontro toda uma plenitude de sugestão espiritual no espectáculo de uma ave doméstica com os seus pintainhos que, com ar pimpão, atravessam a rua. Encontro um significado mais profundo do que as lágrimas humanas no aroma do sândalo, nas latas velhas jazendo numa montureira, numa caixa de fósforos calda na valeta, em dois papéis sujos que, num dia ventoso, rolam e se perseguem rua abaixo. E que poesia e espanto, admiraçào, como de um ser tombado dos céus em plena consciência da sua queda, atónito com as coisas. Como de alguem que conhecesse a alma das coisas e se esforçasse por rememorar esse conhecimento, lembrando-se de que não era assim que as conhecia, não com estas formas e nestas condiçoes, mas de nada mais se recordando.
5
[ms.] [1910?]
I was a poet animated by philosophy, not a philosopher with poetic faculties. I loved to admire the beauty of things, to trace in the imperceptible through the minute the poetic soul of the universe. The poetry of the earth is never dead. We may say that ages gone have been more poetic, but we can say (...) Poetry is in everything—in land and in sea, in lake and in riverside. It is in the city too-deny it not—it is evident to me here as I sit: there is poetry in this table, in this paper, in this inkstand; there is poetry in the rattling of the cars on the streets, in each minute, common, ridiculous motion of a workman, who the other side of the street is painting the sign-board of a butcher’s shop. Mine inner sense predominates in such a way over my five senses that I see things in this life—I do believe it—in a way different from other men. There is for me—there was—a wealth of meaning in a thing so ridiculous as a door-key, a nail on a wall, a cat’s whiskers. There is to me a fulness of spiritual suggestion in a fowl with its chickens strutting across the road. There is to me a meaning deeper than human tears in the smell of sandalwood, in the old tins on a dirt heap, in a match box lying in the gutter, in two dirty papers which, on a windy day, will roll and chase each other down the street. For poetry is astonishment, admiration, as of a being fallen from the skies taking full consciousness of his fall, astonished about things. As of one who knew things in their souls, striving to remember this knowledge, remembering that it was not thus he knew them, not under these forms and these conditions, but remembering nothing more.
Eu era um poeta impulsionado pela filosofia, nâo um filósofo dotado de faculdades poéticas. Adorava admirar a beleza das coisas, descortinar no imperceptivel, através do que é diminuto, a alma poética do universo. A poesia da terra nunca rnorre. E possfvel dizermos que as eras transactas foram mais poeticas, mas podemos dizer (...) Ha poesia em tudo—na terra e no mar, nos lagos e nas margens dos rios. Ha-a também na cidade — não o neguemos—facto evidente para mim enquanto aqui estou sentado: ha poesia nesta mesa, neste papel, neste tinteiro; ha poesia na trepidação dos carros nas ruas; em cada movimento Infimo, vulgar, ridiculo, de um operário que, do outro lado da rua, pinta a tabuleta de um talho.
O meu sentido interior de tal modo predomina sobre os meus cinco sentidos que—estou convencido—vejo as coisas desta vida de modo diferente do dos outros homens. Existe para mim — existia — urn tesouro de significado numa coisa tao ridicula como uma chave, um prego na parede, os bigodes de um gato. Encontro toda uma plenitude de sugestão espiritual no espectáculo de uma ave doméstica com os seus pintainhos que, com ar pimpão, atravessam a rua. Encontro um significado mais profundo do que as lágrimas humanas no aroma do sândalo, nas latas velhas jazendo numa montureira, numa caixa de fósforos calda na valeta, em dois papéis sujos que, num dia ventoso, rolam e se perseguem rua abaixo. E que poesia e espanto, admiraçào, como de um ser tombado dos céus em plena consciência da sua queda, atónito com as coisas. Como de alguem que conhecesse a alma das coisas e se esforçasse por rememorar esse conhecimento, lembrando-se de que não era assim que as conhecia, não com estas formas e nestas condiçoes, mas de nada mais se recordando.
...
FERNANDO PESSOA
Paginas intimas e de auto-interpretacao
FERNANDO PESSOA
Paginas intimas e de auto-interpretacao
IMAGES
Animated Poet
© MALOU V.
...
Fernando Pessoa
Vitorino Braga
1914
0 Comments:
Post a Comment
<< Home